Exatamente um mês atrás, comentei a excelente declaração de voto do Celso com uma “falsa” declaração de voto em Serra. Fiz isso porque considerei a declaração que consta no Amálgama fraca demais.
Agora, bastante atrasado (tá, eu sei), explicarei por que minha declaração era “falsa”, isto é, porque não acredito nos argumentos que eu mesmo levantei para votar no Serra:
1) “Expansão do Metrô de São Paulo: tudo bem que acrescentar mais estações tem o efeito de deixar os trens ridiculamente mais lotados. Mas é um primeiro passo na direção de uma igualdade social, pois muita gente que hoje tem metrô lotado antes não tinha nem isso.
Sem contar que, feita a infra-estrutura metroviária, aí sim fica viável pensar numa política urbana de reversão da lógica bairro => Centro, pois fica mais fácil ir do Centro ao bairro.”
Seria muito bacana se isso fosse verdade. Mas não é bem assim. A expansão do Metrô tem sido caótica. Populista mesmo: maximizar o número de estações no menor tempo possível. Isso tem provocado sobrecarga na rede. Por exemplo, a estação Trianon-Masp, antigamente (i. e., 3 ou 4 anos atrás) uma estação-fantasma, fica lotada até 20 horas. O número de usuários aumenta, mas ninguém parece pensar se cabe tanta gente. É como entregar um serviço porco a quem não tinha metrô, algo como: “Ah, antes você nem tinha metrô, ainda quer trens confortáveis?”
As linhas tinham de ser pensadas de tal forma a permitir a duplicação. Duplicação de linha é algo ridiculamente caro, mas me parece ser a única forma viável de tornar o metrô de São Paulo sustentável. Nem estou falando de “confortável”, e sim de “sustentável”. Parece bem mais viável do que subir a tarifa a 20 reais para reduzir o número de usuários.
(Que o Serra não leia este blog e acabe gostando da idéia!)
Tampouco foi feito um esforço conjunto com a prefeitura para a tal da reversão da lógica bairro => Centro – coisa de que São Paulo precisa desesperadamente. Pelo contrário: ano passado, a Prefeitura teve a idéia de jerico de proibir os fretados nas Avenidas Paulista e Berrini a pretexto de que estavam fazendo bagunça. Até estavam, mas não a esse ponto. O cúmulo do desencontro foi a justificativa de que não ia fazer muita diferença para os usuários, afinal, haveria integração com o metrô.
He. Isso é que é coordenação. O governo do Estado vai aumentando insanamente o número de usuários e a Prefeitura vai e enfia mais gente ainda. Isso porque são chefes de Executivo aliados (por enquanto).
Esta aqui também é ótima…
2) “Cultura: o governo Serra tem sido até condescendente em manter a política do Neschling de orquestra com altos salários para os músicos para manter o alto nível.”
A ironia está patente na própria formulação. São Paulo tem mais do que condição de manter uma orquestra de alto nível. A situação famélica da Osesp pré-Neschling era ridícula. Um atestado da pequenez de espírito de uma elite que faz questão de ter apenas um verniz de cultura, e não conteúdo. Perfeitos “medalhões”, como previra o Machadão.
Neschling foi o homem certo na hora certa. Seus contatos com altos escalões do governo (FHC e Covas, especificamente) lhe deram acesso ao dinheiro necessário. Sua habilidade de administrador aplicou muito bem esse dinheiro numa orquestra e sede em que a palavra de ordem é “excelência”.
No entanto, numa situação até hoje deveras nebulosa, ele atraiu o ódio de Serra – que, mais uma vez, mostrou sua falta de profissionalismo ao não saber diferenciar a vida política da privada. A partir desse momento, fez de tudo para expulsar Neschling da orquestra. Conseguiu. Não quis nem saber que o projeto de Neschling, embora inevitavelmente lhe trouxesse enorme glória pessoal, era para uma orquestra de 100 anos. Ele disse no documentário sobre a turnê européia da Osesp (cito de cabeça): “Já ouvi gente nos comparando à Filarmônica de Berlim. Não somos a Filarmônica de Berlim. Até podemos chegar lá: esse trabalho que vimos fazendo há 10 anos, eles vêm fazendo há 100. É só a gente se manter na mesma trilha”.
(Perdoem-me as aspas por uma citação de cabeça, mas um discurso indireto livre ia ficar muito ruim de ler.)
Tanto foi covarde a demissão de Neschling, que se deu enquanto ele estava fora do país, que ele ganhou a reclamação trabalhista movida contra a Orquestra.
Enfim, Serra confirmou a triste constatação de Tom Jobim de que “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal.” Não suportando o sucesso da Osesp (a cujas apresentações, aparentemente, ele nunca compareceu), sabotou-a.
Fico também triste de ver que FHC, que virou a casaca contra Neschling, ainda é admirado na própria Sala São Paulo. Freqüento aquele lugar, e várias vezes ouvi-o ser elogiado e carinhosamente referido como “Fernando”. A alienação desse povo me dá medo. O cara expulsou um raro caso de projeto consistente de longo prazo e ainda é admirado.
3) Educação: no Estado de SP, foram instituídos prêmios em dinheiro para os professores cujos alunos tenham o melhor desempenho.
Educação é um dos vários pontos fracos de Serra. Esses prêmios são uma farsa: não há um órgão que faz uma avaliação externa e independente dos alunos. O “desempenho dos alunos” são as notas que eles tiram. Ou seja, a mensagem é: “Professores, dêem nota máxima para todos os alunos, mascarando a catastrófica situação da educação no Estado, que vocês ganham uma graninha para ficarem quietos”.
Anos e anos de PSDB arruinaram a educação estadual de São Paulo, outrora disputada e fortíssima. Você pode até ser engraçadinho e dizer que só em 1994, com a morte da hiperinflação, que o Estado começou a recuperar a capacidade de visão. Só que, 16 anos depois, manter as coisas nesse nível não tem desculpa que não a incompetência ou o descaso.
Engraçado como o PSDB, que se gaba de ter muito cacique e pouco índio, mostra-se tão venenoso para a cultura e a educação.
4) Política Externa: é pouco provável que o Serra mantenha esse aberto e (até o momento) imotivado apoio a Chávez, Ahmadinejad e tiranetes afins, e, por mais merda que tenha dito, dificilmente ofenderá os presos políticos cubanos daquele jeito.
Política externa é a seara em que, mais do que discordar, realmente abomino a atuação do Celso Amorim. No entanto, apesar da grande quantidade de ditadores que Lula visita, ele não moveu uma palha no sentido de transformar o Brasil numa ditadura. Obama tê-lo chamado de “Cara” tinha, dentre os motivos, este: o Brasil é um ator excepcionalmente estável e democrático na América Latina. Se Obama visse em Lula um vindo-a-ser-Chávez, dificilmente teria dito isso. Por menos plausível que seja, me parece que essa simpatia do Lula por criminosos de guerra africanos, ditadores árabes e tiranetes latinos é puramente festiva.
Voltando à vaca fria: Serra compra briga com os outros países já como candidato. Desse modo, para mim, o candidato que mais demonstra estar disposto a parar com os tapinhas nas costas que repudio sem pisar calos alheios é qualquer um, menos o Serra.
5) Economia: Serra é, teoricamente, desenvolvimentista. Assim, ele é o tucano que mais convincentemente não cairá no canto da sereia do neoliberalismo.
No horário eleitoral, Serra tem dado mostra de que não sabe o que quer. No início, buscou uma identificação com Lula com aquela ridícula história de “Zé da Mooca”. Hoje, critica acerbamente o PT. No meio tempo, oscilou entre um e outro. Como candidato, a pouco tempo das eleições, ele não conseguiu nem mostrar o que ele realmente acha do governo Lula. Não dá para saber se ele vai seguir sua tradição desenvolvimentista (por exemplo, ele é amigo do Luciano Coutinho, excelente sub-Cara), mas sua aproximação com o PFL está forte demais. Ele não parece estar com o PFL só pela conveniência; ao invés, dá mostras de efetiva afinidade ideológica. Mas, peraí, o PFL não é desenvolvimentista.
Não dá para votar num sujeito que não sabe definir sua relação com o governo atual. Pior ainda, um candidato que não reconhece os méritos do próprio partido. Não gosto da postura do PT de ódio aberto ao governo FHC como um todo, mas, formidavelmente, o Serra faz a mesma coisa. Afinal, como ele é do mesmo partido, sua omissão é tão gritante quanto uma crítica vinda do adversário.
6) Saúde: pô, ele foi uma peça-chave fundamental na instituição dos genéricos. Vai dizer que isso não é demais?
“Uma” peça-chave. Houve muitas outras. Não dá para dizer que ele não teve importância nenhuma, nem que ele foi o único responsável.
Ok, ponto. Mas, até agora, 5 a 1.
7) Não esteve envolvido em nenhum grande escândalo de corrupção enquanto no governo paulista.
Ha. Diria o Hermenauta: Sei… Até parece. É só porque Serra tem vários meios de comunicação a seu lado, até declaradamente, que fica essa falsa impressão.
Enfim, já perdi tempo demais com o Serra. Hora de fazer algo mais útil.
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