Quanto mais chato, melhor!

Tenho uma opinião muito particular sobre música e literatura modernas – artes em que me sinto competente o bastante para dar pitacos aleatórios: parece-me que, na virada do século XX e até hoje, a palavra de ordem é: “Quanto mais chato e incompreensível, mais superior é uma obra”. Joyce, Woolf, Schönberg e Berg parecem-me ótimos exemplos. Creio que o velho Machadão fez tanto quanto os modernosos do século XX, só que de um jeito muito mais gostoso, sem precisar ser chato.

Aliás, a crítica literária e musical parece elevar a imensos patamares exatamente aqueles caras mais impossíveis de entender. E se alguém ousa reclamar, é tachado de ignorante, incompreensivo, de alguém que “ainda” não entendeu a profundidade dessas coisas.

Sempre desconfiei que houvesse um quê de “o rei está nu” nessas coisas. Quer dizer, no fundo, o crítico também acha aquilo um baita dum porre, mas precisa dar uma de fodão e falar que aquilo é genial, nós é que não estamos à altura de entender.

Daí, ninguém menos que o mega super power fodão Moz, popularmente conhecido como Wolfgang Amadeus Mozart, me vem com esta:

“Para ganhar aplauso, é necessário escrever coisas ou tão insossas que qualquer cocheiro consegue cantar, ou tão initeligíveis que nenhum homem sensível é capaz de entender.”
(Fonte: gloriosa Wikipedia)

Pois é. Então, essa impostura de “quanto mais incompreensível, mais profundo” não é de hoje… Parece ser razoavelmente antiga.

Isso me deu uma boa aliviada. Costumeiramente faço exercícios de adentrar a arte moderna, especialmente a música: “caço” compositores aleatoriamente em lojas e no PQP Bach e faço um compromisso de obrigar-me a ouvir umas 3 ou 4 vezes cada obra antes de dizer que ela é chata. Tenho o privilégio de orbitar a Osesp, que sempre faz encomendas de obras novas, que, para a tristeza dos meus ouvidos, sempre me forço a ouvi-las.

Mas, bem, em 99% dos casos, as obras modernas continuam chatas após umas 10 audições. Então devem ser chatas mesmo. E a observação de Mozart, atestando a antigüidade da impostura do “quanto pior, melhor”, me faz me sentir muito mais à vontade para acusar: “O rei está nu! E é chato pra burro!”

Uma coisa triste que “oubservo” é que freqüentemente elas têm 4 ou 5 minutos muito legais, imersos no meio de 60 e tantos da mais pura e modorrenta chatice. Tenho impressão parecida com a referida literatura moderna da virada do século XX – algumas sacadas geniais imersas em milhares de páginas de chatice heideggeriana. No fim das contas, não vale o esforço.

Os escritores e músicos modernos deviam aprender essa lição – parar de fazer coisas chatas e incompreensíveis para impressionar apenas o seu círculo restrito, mandando os pobres mortais à PQP. Ou ao PQP (Bach), do que eu não reclamaria. Acho que, no fundo, é porque é difícil fazer coisas agradáveis. É bem mais fácil fazer uma cacofonia sonora enterrada numa orquestra gigantesca (para impressionar) e deopis chamar os críticos de burros, despreparados, passadistas e preconceituosos contra a música moderna.

10 Responses to “Quanto mais chato, melhor!”


  1. 1 vtYojr March 1, 2012 at 20:19

    Sabe que eu acho a mesma coisa. O problema é que o que é chato para um pode não ser para outro.

    • 2 hwbach March 4, 2012 at 20:30

      De fato. Mas isso não exclui que haja um planejamento no sentido de tornar a obra o mais chata possível, isto é, que o maior número possível de pessoas a considere chata.

  2. 3 André March 7, 2012 at 08:57

    Estou sendo um pouco mais cauteloso. Eu simplesmente não estou ouvindo música contemporânea. Certos compositores modernos, até vai: um Villa, um Bartók, Stravinsky, tranquilo. Porém, quando o assunto é ‘atonalismo’, ‘música dodecafônica’ e essas coisasa, evito ouvir. Não é preconceito (palavra maldita), na verdade é cautela: pretendo antes aprender um pouco de teoria musical e, principalmente, ler o livro “O resto é ruído” de Alex Ross, que parece explicar os rumos da música moderna/contemporânea.

    Sim, pois talvez haja algo de apreciável no concerto pra piano de Schoenberg, talvez falte apenas um pouco de educação musical. Não acredito que toda a música contemporânea seja um delírio, uma gigante construção imaginária. Há gênios vivos. No entanto, uma coisa não podemos negar: enquanto Mozart é acessível nos primeiros compassos, esses caras de hoje em dia eu posso ouvir mil vezes e ainda não vou entender merda nenhuma – daí a necessidade de uma ajudinha extra com o livro do Ross. Ou será que alguém livre de drogas consegue gostar de algo do tipo ( http://www.youtube.com/watch?v=1v7YYvPSYzw ) logo na primeira (ou milésima) audição? Céus, se essa música tem algum sentido, espero entender algum dia.

    Aliás, há exceções: já ouvi certas coisas de Adams e Part, por exemplo, que me agradaram. Porém, como disse, são exceções e não regras.

    Abraços.

    • 4 hwbach March 8, 2012 at 12:36

      André, acho que você tocou no ponto central: “esses caras de hoje em dia eu posso ouvir mil vezes e ainda não vou entender merda nenhuma – daí a necessidade de uma ajudinha extra com o livro do Ross”. Quer dizer, tudo bem que, em geral, a música erudita precisa mesmo de audições adicionais, mas no caso de muita música contemporânea, isso chega a níveis absurdos, exigindo todo um preparo teórico para que você ENTÃO passe a COMEÇAR a apreciar.

      Os compositores parecem ter perdido completamente a ligação com o ouvinte leigo. Para começar, desde o século XIX a música é quase que necessariamente virtuosística. Ninguém pensa nos músicos amadores. Os caras só pensam no amiguinho que é capaz de tocar qualquer coisa (vide Ravel e Viñes, por exemplo). Desde Mozart e Johann Christian Bach, que chegaram esse nicho foi enterrado.
      Além do mais, tenho a impressão de que, a partir do século XX, escreve-se apenas para os outros compositores, e não para o leigo, ou mesmo para o leigo que ouve muita música. Lembro de uma estréia de um quarteto pelo Quarteto da Cidade (SP), em que o compositor descreve que colocou uma piada musical em homenagem a Haydn: em certa altura, a música “escorrega” e “cai” em lá bemol, quando o correto seria cair em lá.

      Porra, quem além de músico é capaz de, ouvindo a estréia de uma obra, sacar que o desenvolvimento DEVERIA levar a certa nota e então perceber que “caiu” na nota errada? Ainda que perceba tudo isso: sendo uma obra contemporânea, como é que esse super-ouvinte vai saber se foi erro dos músicos ou se foi algo planejado?

      Um exemplo apoteótico da total alienação dos compositores em relação aos seus verdadeiros destinatários – o resto do mundo;

  3. 5 lucashomem July 30, 2012 at 01:16

    Posso dizer que sou semi-leigo teórico, não fui atrás de livro nenhum, sou recém-apaixonado pela música clássica e mesmo assim consigo amar a música desses caras chatos? Existem os ruins, e isso existe em todas as eras, mas existem os ótimos, bons o suficiente pra me fazerem arrepiado ou impressionado, dignos de serem trilha sonora do meu quarto.
    Convenhamos, a música atonal não está muito longe da nossa realidade mais.
    Aliás, se a questão é “gostas de Mozart por natureza, Penderecki por estudo”, julgo mais fácil impressionar um leigo em música com Penderecki que com Mozart, sem querer rankear ambos.
    Vai que a crise da música clássica acontece porque colocam Mozart demais, compositor moderninho de menos.

  4. 6 procopio August 29, 2012 at 14:56

    heidegger não é plano, é chato mesmo! chato demais! muito chato! é um maçador! É um piolho das regiões pubianas!²²²²²²²²²²²²²²²²²²

  5. 7 Vanderson January 23, 2013 at 17:37

    Gostei do seu texto e do seu blog, He will be Bach. Pessoalmente, eu sou assim: tudo o que o povão gosta, fica comentando, fica elogiando, eu não me interesso muito em ir atrás. Pode ser filme, música, livro, eu não me interesso. Por quê? Porque, cá entre nós, parece que quase tudo que o povo gosta é a maior droga. Sem querer generalizar, é claro.
    E, com respeito a essa tal “impostura” que você falou, essa história de “entender uma obra”, etc., eu tenho uma história. Uma vez foi um colega (amigo dum amigo meu) na sala de aula (eu tava no 3° ano) expor as pinturas que ele fazia. Pintura abstrata, você sabe. Todo mundo gostava da arte dele, ficava impressionado. Mas daí perguntavam pra ele no que ele tava pensando quando fez a pintura, o que ele queria expressar, e ele dizia que não estava pensando em NADA. Isso mesmo, nada. Ele só pegava a tinta e ia espalhando com a mão na tela. Depois eu ouço falar dessas histórias de entender uma música, de “sentir a música”, como se diz (música clássica), de tentar entender o que o compositor tinha em mente através dela, e me culpo porque não sou muito sinestésico (afinal, sou homem, homem não é muito sinestésico), e por isso não consigo tipo enxergar um cenário para a música. Mas a verdade é que o que o compositor tinha em mente, como a gente vai saber? Ainda mais se o cara já morreu faz tempo… Vai saber se ele não tava pensando em nada especificamente, como aquele colega meu?

    • 8 Vanderson January 23, 2013 at 17:46

      E só pra terminar: talvez esses compositores moderninhos, de música atonal, não tenham nada em mente ao compor suas músicas. Fora o vazio e a depressão que eles devem sentir. Todo mundo sabe que, ironicamente falando, pra ser artista hoje tem que ser meio louco, perturbado. A receita pra música atonal é simples: uma série de arpejos loucos e frenéticos nos movimentos rápidos, e um tédio mortal nos movimentos lentos, mais ou menos que nem um iniciante “brincando” com o instrumento. Desculpe o sarcasmo, mas essas são as minhas impressões. Espero que me entenda.

      • 9 hwbach May 26, 2013 at 12:13

        Claro que entendo!

        Acho que o atonalismo foi algo extremamente importante em seu momento histórico. Engraçado é ver o pessoal copiando o atonalismo hoje e dizendo que essa é a única música moderna possível, pois qualquer outra coisa é “prender-se ao passado”.

        Ok, porque prender-se a uma técnica que já tem quase 100 anos não é prender-se ao passado!!! 😀

        Ei… você é o Vanderson do PQP Bach, não é?

  6. 10 Gedaias January 26, 2013 at 10:00

    Concordo. Aquela frase “o artista vai onde o povo está” acho que não vale , não é? A pior parte é o cara dizer que eu acho chato porque sou ignorante. Bom, em relação à música funk…prefiro mesmo ser ignorante. rsrsrs


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